Armando Lopes Moreno Junior
Palestrante do Workshop Internacional: Alvenaria Estrutural em Situação de Incêndio, evento que contou com o apoio da Anicer, Armando Lopes Moreno Junior é professor Livre Docente (MS-5) em “Estruturas de Concreto Armado” pela Faculdade de Engenharia Civil, Arquitetura e Urbanismo da Unicamp. Possui doutorado em Engenharia de Estruturas e Fundações pela Escola Politécnica da Universidade de São Paulo, mestrado em Engenharia de Estruturas pela Escola de Engenharia de São Carlos e graduação em Engenharia Civil pela Universidade Estadual de Campinas. Possui quase 100 orientações e supervisões concluídas e quase 200 trabalhos publicados em Periódicos, Anais de Eventos Científicos e Jornais ou Revistas. É assessor científico da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo, assessor científico da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior, assessor científico do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico, revisor do ACI Structural Journal, do Journal of Structural Fire Engineering, da Revista Ibracon de Estruturas e Materiais, da Revista Physicae do IFGW da Unicamp e da Revista Projeções da Universidade São Francisco. Tem experiência na área de Engenharia Civil, atuando principalmente nos seguintes temas: Avaliação em Laboratório de Estruturas e Materiais para Estruturas, Recuperação e/ou Reforço de Estruturas, Segurança das Estruturas em Situação de Incêndio e Avaliação de Novas Tecnologias Construtivas para Moradias de Interesse Social. Em 2007 foi agraciado com o “Premio de Reconhecimento Acadêmico Zeferino Vaz” na Unicamp.
Por Manu Souza | Imagens: Divulgação
Como funciona a exigência de segurança contra incêndio no Brasil?
A resposta a esta pergunta, em poucas linhas, é difícil. A segurança contra incêndio engloba um conjunto de medidas para prevenção, detecção, combate a um incêndio e consequente contenção ou extinção. Em alguns destes aspectos estamos, no Brasil, em consonância com o resto do mundo. Entretanto, em outros destes aspectos, como exemplo a avaliação de desempenho ao fogo de materiais e componentes construtivos e estruturais nacionais, estamos muito aquém do que o meio técnico nacional necessita. Resumindo, não tem como exigirmos segurança contra incêndio das edificações sem ao menos conhecermos o comportamento dos materiais/elementos construtivos da edificação sob temperaturas elevadas.
Não temos ainda uma norma brasileira sobre Projeto de Alvenaria Estrutural em Situação de Incêndio. Em sua opinião, quais serão os principais desafios para os membros do comitê, quando se iniciarem as discussões sobre o tema?
Sem dúvida alguma, o maior desafio será a quase inexistência de resultados nacionais sobre o comportamento dos materiais componentes da alvenaria estrutural (blocos, argamassa e graute), e das paredes executadas com estes materiais nacionais, sob temperaturas elevadas. De início, logicamente, os membros do comitê devem tentar adaptar procedimentos internacionais de verificação contra incêndio de edificações em alvenaria estrutural à nossa realidade.
As instituições de ensino dispõem de disciplinas que abranjam situações de incêndio nas construções?
A segurança contra incêndio se caracteriza também pela educação e conscientização dos futuros profissionais responsáveis pela concepção e execução das edificações. Vale observar que, atualmente, quase nada é apresentado, no âmbito da graduação e mesmo da pós-graduação, nas Instituições de Ensino sobre o tema
A segurança contra incêndio se caracteriza também pela educação e conscientização dos futuros profissionais responsáveis pela concepção e execução das edificações. Vale observar que, atualmente, quase nada é apresentado, no âmbito da graduação e mesmo da pós-graduação, nas Instituições de Ensino sobre o tema. A abordagem do tema, quando feita nas Instituições, ocorre em disciplinas de caráter eletivo. Este fato pode ser alterado, agora por exigência de Lei. A Lei 13.425/2017, que cria novas normas de segurança, prevenção e proteção contra incêndios em estabelecimentos de reunião de público, entra em vigor em setembro deste ano. O texto foi sancionado com vetos pelo presidente da República, Michel Temer, e publicado na edição do Diário Oficial da União do dia 31/03/2017. A nova legislação prevê a obrigatoriedade da inclusão de conteúdos relativos à prevenção e ao combate a incêndios e desastres em todos os cursos de graduação em Arquitetura e Urbanismo, Engenharia, e em cursos técnicos ou de tecnologia na área. Resta aguardarmos o efetivo cumprimento da Lei pelas Instituições de Ensino.
Quais os benefícios que esta normatização pode trazer para o setor da construção civil?
Os objetivos fundamentais da segurança contra incêndio são minimizar o risco à vida e reduzir a perda patrimonial. Normas nacionais devem ser pensadas e elaboradas com este fundamento básico. O desconhecimento gera insegurança e desperdício. A normatização sobre segurança contra incêndio no Brasil é um caminho para o emprego racional de materiais no setor da construção civil.
Qual a sua opinião em relação ao comportamento do material cerâmico em uma situação de incêndio? E em relação ao material de concreto, como ele se comporta?
No caso dos sistemas estruturais construídos em alvenaria estrutural em situação de incêndio, tanto em blocos cerâmicos como de concreto, a literatura disponível é substancialmente escassa se comparada aos estudos já elaborados nas áreas de estruturas de concreto armado, de estruturas de aço e de estruturas de madeira. As normas brasileiras referentes à alvenaria estrutural não abordam o tema em profundidade, mencionando apenas a necessidade de avaliação das edificações em situação de incêndio, porém, sem propor qualquer tipo de prescrição normativa para fins de dimensionamento em temperaturas elevadas. A alvenaria estrutural é composta por elementos de alvenaria (blocos cerâmicos ou de concreto), argamassa de assentamento, eventual armadura de aço e eventual revestimento (acabamentos). O comportamento resistente ao fogo da alvenaria estrutural depende, logicamente, do comportamento resistente a elevadas temperaturas de cada um desses materiais, isoladamente e em conjunto. Nacionalmente, ainda se caminha a passos lentos na avaliação do comportamento da alvenaria estrutural em situação de incêndio. Pouco se conhece, no país, sobre as propriedades térmicas e mecânicas, sob temperaturas elevadas, dos materiais componentes da alvenaria estrutural. Da mesma forma, quando se avalia resultados existentes sobre o comportamento de paredes de alvenaria em situação de incêndio, nota-se, além da insignificância numérica de resultados nacionais, a inexistência de resultados de paredes avaliadas sob carga. Internacionalmente, ressalta-se alguns resultados importantes. Em elementos de compartimentação, como paredes de alvenaria, o fogo está geralmente em apenas um lado. A parede irá, portanto, curvar-se, devido à expansão térmica diferencial. Esse fato, juntamente com a degradação das propriedades dos materiais, que se inicia em seu lado exposto ao fogo, pode resultar no colapso estrutural da parede, que depende das condições de vinculação de seus apoios, da magnitude de carga nela aplicada e de sua geometria. Sob temperaturas baixas para um incêndio, da ordem de 250°C a 300°C, os danos às paredes de alvenaria ficam geralmente restritos às mudanças de cor, como por exemplo, o avermelhamento de rochas e argamassas compostas por ferro. Entretanto, com a elevação da temperatura, uma parede de alvenaria estrutural sofrerá uma redução progressiva em sua resistência à compressão, por conta, principalmente, da deterioração da argamassa de assentamento. A temperaturas elevadas, entre 600°C e 800°C, a resistência à compressão da maioria das rochas e argamassas é seriamente comprometida. Existem relatos internacionais sobre colapso das paredes de alvenaria estrutural durante eventual resfriamento com água (o que é usual nas operações de combate ao incêndio). Ao se resfriar com água a alvenaria aquecida pelo fogo, o choque térmico e eventual contração do material pelo resfriamento fazem com que ocorra um intenso panorama de fissuração na parede, com muitas fissuras e bastante abertas, o que pode colaborar, naturalmente, para o colapso da parede. Da mesma forma, existem também relatos sobre o provável lascamento explosivo de alguns tipos de blocos cerâmicos quando em situação de incêndio, principalmente os que não são maciços.
Nacionalmente, ainda se caminha a passos lentos na avaliação do comportamento da alvenaria estrutural em situação de incêndio. Pouco se conhece, no país, sobre as propriedades térmicas e mecânicas, sob temperaturas elevadas, dos materiais componentes da alvenaria estrutural
Existem alguns ensaios necessários para dar subsídios a algum procedimento a ser sugerido em futura normatização sobre a alvenaria estrutural em situação de incêndio?
Blocos e argamassas, e mesmo a parede, devem ser produzidos ou executados segundo recomendações técnicas que garantam a qualidade, padronização e segurança necessárias, tanto à temperatura ambiente quanto em temperaturas elevadas. As características físicas das matérias-primas são determinantes no desempenho das alvenarias em situação de incêndio, já que a adição ou a variação na dosagem de seus componentes constituintes pode alterar substancialmente o desempenho do elemento quanto ao isolamento térmico e à resistência mecânica. O tipo de agregado, no caso do bloco de concreto, é fator dos mais intervenientes em relação à resistência mecânica residual da parede de alvenaria estrutural e, vale observar, não é usual, entre os projetistas, a especificação do tipo de agregado do bloco de concreto em projetos de edificações em alvenaria estrutural. No caso das argamassas de assentamento, convém destacar-se que as misturas mais utilizadas no Brasil possuem em sua composição cal virgem (CaO), que durante o processo de hidratação produz Hidróxido de Cálcio. Com o aumento da temperatura, inicia-se o processo reverso, de desidratação, aspecto este que se verifica a aproximadamente 300°C. O fenômeno de desidratação do hidróxido de cálcio, Ca(OH2), contribui significativamente na degradação da argamassa, uma vez que da reação de desidratação resulta CaO que é um composto químico que sofre expansão durante a fase de resfriamento e, consequentemente, causa o aparecimento de fissuras na argamassa. A Unicamp é pioneira na avaliação em laboratório de materiais e componentes estruturais em situação de incêndio no Brasil. São mais de 15 anos de pesquisas sobre o tema. O interesse pela alvenaria estrutural é antigo. Temos pesquisas conjuntas com a Poli-USP, EESC-USP e a UFSCar. Temos alguns equipamentos (fornos) aptos a avaliar o comportamento sob temperaturas elevadas de argamassa de assentamento, blocos de concreto, blocos cerâmicos, prismas e pequenas paredes. Certamente, ao longo destes próximos anos, teremos muitos resultados que, certamente, darão subsídios à futura normatização sobre a alvenaria estrutural em situação de incêndio.
As características físicas das matérias-primas são determinantes no desempenho das alvenarias em situação de incêndio, já que a adição ou a variação na dosagem de seus componentes constituintes pode alterar substancialmente o desempenho do elemento quanto ao isolamento térmico e à resistência mecânica
O seu tema no Workshop foi “pesquisas Nacionais Sobre Alvenaria em Situação de Incêndio”, pode nos contar um pouco do que foi abordado na palestra?
No pouco tempo que tivemos durante o evento, apresentamos o que tem sido feito em nosso País sobre a avaliação, em laboratório, da alvenaria estrutural em situação de incêndio. Pesquisas recentes e, principalmente, o muito que ainda deve ser feito.
Qual a importância da realização de eventos como este, para o setor?
Eventos como este discutem e, sob vários aspectos, contribuem para o aprimoramento da segurança contra incêndio das edificações no Brasil. Focado na alvenaria estrutural, a programação incluiu palestras envolvendo distintos aspectos inerentes ao comportamento de edificações em alvenaria estrutural em situação de incêndio para, ao final, apresentar um texto preliminar, de cunho normativo, sobre critérios de verificação da alvenaria estrutural sob temperaturas elevadas.