Diante da crise hídrica, setor deve intensificar as soluções de uso racional e conservação
Por Aline Moura
A estiagem em algumas regiões do país, com chuvas abaixo das médias históricas, tem afetado os reservatórios, que passam a operar muito aquém de suas capacidades máximas. “Na região nordeste, essa situação se repete pelo quarto ano consecutivo, e no sudeste, pela primeira vez, foi necessário recorrer ao chamado volume morto, água que fica localizada abaixo dos níveis operacionais, em reservatórios do rio Paraíba do Sul e do Sistema Cantareira”, informa o Balanço das Águas, publicação anual da Agência Nacional de Água (ANA). Em paralelo as modificações climáticas, o uso não eficiente da água, entre outras questões, tem sua parcela de responsabilidade na escassez de água. O colapso dos reservatórios de água de São Paulo intensificou o debate sobre a questão da sustentabilidade na construção civil.
A crise hídrica lança luz sobre três aspectos: a redução da demanda por água, o controle do consumo e o uso de fontes alternativas. A boa gestão da água é recomendada para nortear toda cadeia produtiva do setor de construção, desde a extração da matéria-prima e fabricação de um produto, passando pela fase do projeto imobiliário, a execução da obra, até o produto final, o que minimiza os impactos ambientais, amplia a competitividade econômica das empresas e dá respostas às demandas da sociedade.
Especialistas apontam que o caminho está na redução do consumo de água potável, sem prejuízo do desempenho, na gestão da demanda, na redução do desperdício e das perdas e em minimizar a geração de efluentes. Além de investimentos em desenvolvimento tecnológico e na busca de soluções para aumentar a disponibilidade hídrica, como, por exemplo, a utilização da água de reúso. Viabilizar edificações em que o usuário possa ter uma prática econômica do consumo, empregar materiais e sistemas construtivos mais sustentáveis, adotar medidas de consumo consciente nos canteiros de obras e utilizar fontes alternativas de água são algumas das boas práticas que garantem que a água seja utilizada de forma adequada pela construção civil.
Medidas e usos para conservação da água
O Manual de Conservação e Reúso da Água em Edificações, elaborado pela Agência Nacional de Águas (ANA), Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (FIESP) e Sindicato da Indústria da Construção Civil do Estado de São Paulo (SindusCon-SP), apresenta alguns passos para a conservação da água pelo setor. Nas edificações existentes, a partir da implantação de um sistema de medição e após um período de monitoramento, deve-se realizar a auditoria do consumo. Esta etapa apontará o histórico de consumo e um diagnóstico preliminar, revelará as características físicas e funcionais do sistema hidráulico e as atividades desenvolvidas no edifício, irá detectar os desperdícios, identificando se existem vazamentos ou válvulas desreguladas e levantará os hábitos de consumo dos usuários.
Em seguida, a publicação recomenda um plano de intervenção para corrigir os vazamentos detectados, reduzir as perdas, realizar campanhas de sensibilização e educativas e instalar tecnologias economizadoras nos pontos de consumo, como o uso de descargas inteligentes, ou seja, com duplo acionamento que é usado de acordo com o volume de água necessário; a colocação de arejador na torneira, que diminui o fluxo, mas mantém a sensação de volume e direciona o jato; e até mesmo a adoção de torneiras automáticas, cujo sensor capta a presença do usuário e libera e encerra a vazão.
Já nas novas construções, com base nos dados de entrada que caracterizam a edificação, o Manual recomenda que se inicie com uma etapa de avaliação técnica preliminar, na qual se analisa a demanda e oferta de água para proposição de soluções viáveis técnicas e economicamente. Lembrando que devem ser verificadas cuidadosamente as normas técnicas e legislações pertinentes. Edifícios já estão sendo planejados com sistemas de aproveitamento e reúso que permitem a economia dos recursos hídricos. Em fevereiro, o Boletim de Tendência da Construção Civil, uma publicação do Sebrae Inteligência Setorial, apresentou este cenário como uma oportunidade de negócio para o setor.
A água, quando tratada, pode ser utilizada na lavagem de calçadas e garagem, para regar o jardim, na descarga em bacias sanitárias e para refrigeração e sistema de ar condicionado, e os sistemas de aproveitamento e reúso podem atender tanto os prédios residenciais quanto os comerciais. A engenheira civil Virgínia Sodre, diretora técnica da Infinitytech, destaca a importância de um estudo de viabilidade técnica e econômica antes da instalação do sistema que será adotado para que não haja riscos sanitários nem problemas hidráulicos. “Para se conceber um sistema é necessário avaliar as demandas a serem supridas, as áreas de captação, o projeto de instalação hidráulica, o local mais apropriado para instalação do reservatório, qual o tratamento ideal, sendo este último definido em função da demanda escolhida”, afirma. Outra recomendação é ao instalar sistema de reúso, ter cuidado para que as tubulações e as torneiras estejam separadas das de água potável, para evitar contaminação e problemas de saúde pública.
Algumas das fontes alternativas de captação de água são: a água cinza – esgoto gerado pelo uso de máquinas de lavar roupa, banheiras, chuveiros e lavatórios; a água de drenagem de terrenos – resultante do processo de drenagem de uma área para a construção; e a água pluvial – água que provém diretamente da chuva, captada após o escoamento por áreas de cobertura, telhados ou grandes superfícies impermeáveis. “O sistema de reúso de água numa edificação deve ser implantado após uma avaliação prévia de sua viabilidade. Por exemplo, implantar um sistema de reúso de águas cinza numa edificação comercial muitas vezes pode ser inviável do ponto de vista econômico. Uma vez que a geração de águas cinza numa edificação comercial é baixa, e o custo de operação e manutenção eleva-se uma vez que alguns custos são fixos e independem da quantidade de água de reúso tratada. O custo da implantação de um sistema é relativo, este deve ser sempre avaliado em conjunto com o benefício que este pode trazer para a edificação”, explica a especialista.
Economia de água nos canteiros de obras
Ainda na fase de execução da obra é possível adotar medidas no dia a dia para a conservação da água, como monitoramento do consumo, escolha do sistema construtivo, conscientização e reúso. “Atualmente, a gestão da água no canteiro ainda não é realizada de forma muito precisa. A maioria das empresas só realiza a leitura do hidrômetro na entrada da edificação, impossibilitando medição mais precisa de cada setor da obra. Eventualmente, são contratados caminhões-pipa e utilizadas outras fontes (poços, por exemplo) sem que haja medição adequada dessas outras fontes de abastecimento”, conta Virgínia.
O Manual de Conservação e Reúso da Água em Edificações indica, antes da implantação de um canteiro de obras, que seja feito um estudo do abastecimento de água e da condição de captação de esgoto; se existirem redes no local, devem ser providenciados os pedidos de ligação oficiais na concessionária. Devem ser evitadas improvisações, tais como instalações precárias de empréstimo de água com vizinhos, uso de poços de superfície etc.
Ainda de acordo com Virgínia, há muitas formas de se utilizar fontes alternativas de água durante a execução de uma obra, mas a instrução é planejar as ações com antecedência e realizar um estudo de viabilidade técnico e econômico. “Temos trabalhado com projetos de aproveitamento de água de chuva, reúso de água de lava-rodas, reúso de águas cinza e/ou esgotos sanitários numa obra. Outra fonte, que muitas vezes desprezamos na obra, é a água de rebaixamento de lençol freático. Temos em muitas regiões no Brasil o lençol muito raso aflorando nos terrenos e é necessária a drenagem dessa água para a realização da obra. Dessa forma, essa é uma fonte alternativa muito importante para os empreendimentos, que poderia ser, em vez de descartada na rede de drenagem, aproveitada para fins não potáveis, desde a fase de execução da obra até o aproveitamento para fins não potáveis na edificação”. A engenheira observa ainda que se deve ter especial atenção às regiões em que haja áreas contaminadas, nas quais o lençol freático possa estar contaminado. “Para uso dessa água de rebaixamento de lençol é imprescindível uma análise prévia da qualidade dessa água”, pondera.
“Tão importante quanto o uso das fontes alternativas é a gestão da demanda, que inclui o gerenciamento do consumo de água, evitando o desperdício e adotando o uso de metais eficientes, por exemplo, para os vestiários e outros pontos de consumo, e a implantação de um programa de conservação de água”, explica a engenheira. Trabalhar a sensibilização dos operários para redução do consumo dos recursos hídricos também é outra medida estimulada. “Programas de conscientização sobre a gestão e o uso da água têm um efeito muito positivo e são fundamentais para o sucesso de qualquer programa”, completa.
Materiais e Componentes que desperdiçam menos água
Os produtos cerâmicos são a solução mais sustentável para construções. Entre as vantagens, têm menos impacto nas mudanças climáticas; causam menor esgotamento de recursos não renováveis; e necessitam de 24% menos água que uma parede construída com blocos de concreto e 7% menos que a parede de concreto armado moldada in loco, de acordo com o estudo inédito, publicado pela Anicer e realizado pela empresa canadense Quantis, sobre a Avaliação do Ciclo de Vida dos Produtos Cerâmicos e o comparativo com seus equivalentes em concreto.
O objetivo do estudo foi analisar e entender os impactos ambientais ocasionados no decorrer de todo o ciclo de vida de telhas e blocos cerâmicos desde o momento da extração da matéria-prima, passando pelas etapas de transporte, produção, distribuição e utilização até seus descarte final. Para isso, a Quantis avaliou elementos como uso de energia, emissões de poluentes de ar, retirada de água, contaminação de solo e águas, impacto nas mudanças climáticas e na saúde humana.
Segundo dados da Revista Sustentabilidade, para confecção de um metro cúbico de concreto, gasta-se em média de 160 a 200 litros de água e, na compactação de um metro cúbico de aterro, podem ser consumidos até 300 litros, isso sem contar a lavagem das fôrmas utilizadas para produzir o concreto. A água é usada em quase todos os serviços de engenharia, às vezes como componente e outras como ferramenta. Entra como componente nos concretos e argamassas e como ferramenta nos trabalhos de limpeza, resfriamento, cura do concreto e lavagem das fôrmas. Portanto, um sistema construtivo que consuma menos água pode ajudar a reduzir esse impacto.
A opção por materiais produzidos por empresas qualificadas no Programa Setorial da Qualidade (PSQ), vinculado ao PBQP-H, contribui também para a redução do desperdício de água. Nos canteiros e edificações, é essencial que torneiras, chuveiros, bacias e mictórios tenham qualidade, sejam produzidos de acordo com as normas técnicas, além de dotados de mecanismos de consumo controlado.